segunda-feira, 17 de março de 2008

É tipo Outono... Sabe bem e não faz mal!


disse-me uma amiga quando lhe falava há tempos, sobre estar-se apaixonado, e eu acrescentei 'e passa depressa'. E passa mesmo, tudo passa...


A intensidade do sentimento de se estar apaixonado faz-nos bem, faz-nos sentir vivos, mas é algo muito teenager: morrer de paixão, cortar os pulsos, head over heels... o sentimento é tudo e tudo muito e (in)felizmente efémero.

Admito que a paixão completamente correspondida causa uma enorme felicidade e satisfação ao apaixonado, mas a felicidade que vem duma paixão correspondida é baseada numa estrutura ilusória criada pelo apaixonado e que apenas tem a ver com ele e com mais ninguem. O apaixonado só se vê feliz ao conseguir o objecto da sua paixão, que é ser correspondido. Ser correspondido por alguém que também deseja a paixão e que também cria uma estrutura fantasiosa, com bases frágeis que não correspondem à estrutura ilusória do outro... Naquela fase embriagada da paixão as partes sedadas pelo sentimento confundem as suas estruturas: aparentemente são as mesmas, mas enganam-se porque cada um construiu a sua, com base na SUA cara metade e não na real cara do outro...

A paixão é fogo que arde sem se ver (ou será que era o 'amor' LOL)....

Só mesmo com a alma a 'arder' é que conseguimos ir assitir a uma palestra sobre a castração quimica do gafanhoto argentino (*), apresentada em alemão pelo prof. Friedrich Von Stradonitz, com tradução simultanea para sueco, palestra essa de extrema importância para a nossa 'cara metade' mas brutalmente massadora para nós, e embora chata, a palestra acaba por se tornar interessante na medida em que nos permite dar asas à nossa fogueira e manter as labaredas acesas durante toda a tediosa conferência, podendo nós, ignorantes no que diz respeito ao gafanhoto, curtir o estado de admiração pela nossa cara metade, que aparenta entender tudo e mais, e cultivar essa loucura que é a paixão...

... até que um dia o fogo passa a incêndio e vira-se contra nós, aquilo que eram lindas e escaldantes labaredas em deliciosos tons de amarelo e laranja, passam a chamas insuportáveis que assam a alma e abafam toda a admiração que julgavamos sentir, e concluimos que afinal o sentimento não era assim tão abrasador, e o que outrora bronzeava a nossa vida e o nosso dia a dia, hoje se torna num acervo preto de madeira chamuscada e nauseabunda, nalguns casos repugnante até.

E depois de escaldadas pensamos 'what was I thinking??' como é que foi possível EU (inteligente, esperta, prespicaz, sensata e lucida) achar que gostava daquela gajo (estupido, bronco, ignorante e parvo) como é que euzinha fui apaixonar-me por aquela cavalgadura que não tem nada a ver comigo??

Pois... não tem mesmo nada a ver.... a paixão é um sentimento individual. A paixão que sentimos pelo outro, ou por outra, a paixão que sentimos pela suposta 'cara-metade' é precisamente a NOSSA cara metada e não a outra pessoa... alias atrevo-me mesmo a dizer que a outra pessoa ou a 'suposta cara-metade' não interessa nada para a nossa paixão, servindo apenas como objecto para um sentimento individual nosso, muito intimo, o qual está subjacente a NOSSA cara-metade... a nossa alma gemea - BULLSHIT - Se assim fosse, ou seja, se nos apaixonassemos pela nossa VERDADEIRA cara-metade, então teoricamente nós seriamos também a cara-metade do outro, certo? Bom, então se assim fosse não havia o arrefecimento da chama, ou esta nunca se tornaria num indêncio perigoso e mortal...

Ok na volta enganámo-nos, temos esse direito... apaixonámo-nos por aquela pessoa que pensámos que fosse a nossa cara-metade, but we were wrong... damos a mão à palmatória, auto flagelamos-nos, mea culpa mea culpa... e partimos para outra, mais uma vez vem a paixão, a ilusão que é um sentimento partilhado, a admiração, aquela sensação de 'é desta' para pouco tempo depois há um gesto, uma frase, um olhar que nos confirma o inevitável: afinal não é desta....

Quando no lugar do entusiasmo escaldante, a paixão afrouxa e arrefece para níveis glaciares, irrompe-nos um sentimento de desinteresse e indiferença quanto ao objecto, o que era antes a nossa cara-metade, passa a ser um estorvo, um empecilho que nos preturba, porque afinal era suposto ser a nossa cara-metade... e não é porquê???? Razões várias surgem (raramente são as verdadeiras razões), tendencialmente as pessoas associam a morte da paixão ao abominável comportamento do outro: o gajo é um egoísta, só faz o que quer, não me liga nenhuma etc etc... mas o que alimentou a paixão não foi o comportamento do gajo, foi sim a ilusão criada para preencher o desejo individual da pessoa apaixonada... Quando as razões para o fim da paixão são passadas para o outro, desresponsabilizamo-nos e nem sequer nos questionamos: a culpa é do gajo (ponto). Arrumamos o assunto.

Na minha opinião o sentimento de paixão, é um sentimento completamente individual. Só tem a ver connosco, com mais ninguem. É o desejo que temos de encontrar a nossa cara-metade... Lamento mas vou ter que dar a noticia: não existe a cara-metade. Peço desculpa para os mais romanticos, que terão mais dificuldade em gerir esta cruel noticia. Mas quanto mais cedo se aperceberem que não existe a cara-metade, melhor.... ao menos não a procuram... Existem sim pessoas, todas diferentes, e nenhuma é a metade da 'laranja' da outra.

Então o que fazer?? É tão bom sentirmos a emoção da paixão... a gula do desejo alimentada por um objecto fisicamente atraente? Quem não gosta de sonhar com o encontro ideal, com a nossa alma gemea? Alcançar o nirvana emocional? Saciar um desejo torrido, fantasioso e muito prazeroso? E sobretudo que dure e dure e dure... Como ter o melhor da chama sem que esta vire incêndio?

Não sendo uma ciencia exacta, na minha opinião, a solução ideal não existe, existe a solução possível, feita à medida de cada um de nós. Quanto a mim comecei a apreciar o morno. A minha amiga a propósito do 'morno' dizia-me que o morno é apenas o mais comodo... e talvez ela esteja correcta, é sem duvida o mais comodo, até porque um incêndio que começa por uma chama agradável, pode rapidamente se tornar num grande incomodo.

Se controlo o sentimento? Sim.... lógico que sim.... somos animais racionais com capacidade de controlo, basta querermos... é comodo. Não esfria, nem aquece, ou por outra: até pode aquecer sem queimar e esfriar sem congelar, uma chama que ora aumenta ora diminui ao nosso ritmo, controladamente comoda.

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( * ) Inspirado na minha amiga Claudia que se interessa por este tema e outros de igualmente interessantes, nomeadamente:

» A migracao da formiga branca em Africa;

» A catalogacao de arquivos mortos por ordem alfabetica;

» A restauração de monumentos historicos miniatura executados com palitos.

3 comentários:

Anónimo disse...

O prometido é devido e por isso não podia deixar de comentar aqui (o resto falamos à hora do jantar.. por falar nisso... não me posso demorar!) LOL
Sabes o que inevitavelmente acho muitas vezes ... (tb já te tinha transcrito esta) "Todos nós vivemos devorados pela necessidade de sermos amados, mas temos medo da insegurança de amar".
Talvez seja por isso que o morno se torna prático e confortável. Tipo Outono... sabe bem e não faz mal! Também porque não criamos grandes expectativas... com a derradeira expectativa de não tropeçarmos!!! Mas se tropeçarmos... podemos sempre voar, não...? LOL
Enfim, a solução passa sempre por tentar encontrar a felicidade noutro lugar que não aquele em que a ilusão nos prendeu.
Isto porque nós, seres humanos complicados que não trazemos livro de instruções, insistimos em moldar as pessoas que nos rodeiam à nossa própria imagem.
Tantas e tantas vezes, vemos as pessoas como as queremos ver e não como elas são... e depois lá vem a história "como é que foi possível EU (inteligente, esperta, prespicaz, sensata e lúcida) achar que gostava daquela gajo (estúpido, bronco, ignorante e parvo) como é que euzinha fui apaixonar-me por aquela cavalgadura que não tem nada a ver comigo?!" LOL
Acima de tudo, quando de repente aquele a quem admiramos se transforma e nos desilude num ápice, o melhor é enfrentar a realidade sem rancor e ter lucidez q.b. para nos lembrarmos de todos os bons momentos que tb consideramos ter passado com o "tal"... e para percebermos que provavelmente também fomos felizes! (tenho que acrescentar que não acredito na treta da "cara-metade"...)
Independentemente do que quer que seja...:
Sometimes we need to
Stop analysing the past
Stop planning the future
Stop trying to figure out precisely how we feel
Stop deciding with our mind whatever we want our heart to feel
Sometimes we just have to go with...
What ever happens - happens...!
Bjs, Cristina

Cristina Rodo disse...

Na minha opinião, o único grande problema da PAIXÃO é que nos torna cegos e irracionais.
Vemos no outro o que queremos ver, tapando o sol com a peneira no que diz respeito ás características "menos boas".
Por outro lado queremos tanto agradar que nos transformamos durante uns tempos naquilo que julgamos que o outro gostaria que fossemos e que, ainda por cima, nem sempre é verdade.
Passado o encantamento inicial, abrimos os olhos e não só percebemos que o ser que temos à frente não é bem aquele que tínhamos pintado, como não reconhecemos aquele em que nos tornámos e reclamamos a nossa identidade de volta, o que nem sempre agrada.

O "morno" permite-nos ir conhecendo de facto o outro e perceber se este nos agrada realmente ou não.
Em caso negativo é menos "dramática" a separação visto que as expectativas não eram tão altas.
Em caso positivo pode-se criar uma relação que apesar de menos intensa pode ser muito mais gratificante no longo prazo.

Alex disse...

Pois! Eu sou desse grupo mas tu ainda és mais fudamentalista. Tenho de guardar este post nos "Favoritos" que para a próxima vez que me chamem cínica relativamente ao "amor", fria, racinalista e por aí fora, poder mostrar que há mais e "piores".

PS- Importas-te de perguntar à tua amiga se me arranja uma lista de bibliografia sobre "restauração de monumentos historicos miniatura executados com palitos"?. Isso sim, é uma paixão para durar uma vida inteira.